Por Fernando Miranda

Mais uma vez fui ao cinema conferir o trabalho dos Irmãos Dardene, e este é o lugar onde seus filmes devem ser vistos: a sala de cinema. Esse é o segundo filme que vejo dos irmãos, o primeiro foi “A Criança”, de 2005. Em “O Garoto da Bicicleta”, mais novo filme da dupla, vemos a história de Cyril Catoul, um jovem que abandonado pelos entes queridos, passa a ser violento e provocador e se vê dentro de uma trama que o levará a coisas até então impensáveis. “O Garoto da Bicicleta” é um filme sobre juventude perdida, pessoas solitárias, filiação, e acima de tudo, compaixão e amor.
O garoto tem 11 anos de idade e um objetivo: encontrar o pai, que o deixou em um orfanato. Por acaso ele conhece Samantha (Cécile de France), cabelereira e empresária bem sucedida. Ela entra num programa de guarda sazonal e cuida do garoto aos fins de semana. Entretanto, Cyril não consegue reconhecer o carinho com o qual é tratado por Samantha, graças à raiva que sente por ter sido abandonado pelo pai. É seduzido pelo submundo criminal ao cair nas graças violento jovem, um mentor mais sábio e mais experiente, líder de uma gangue de garotos local.
Cyril nada pode fazer a não ser deixar-se levar pela aventura em nome da confiança e da lealdade, coisa que o garoto nunca enxergou em outras pessoas, a não ser aquelas que o abandonaram, mãe, pai, e avó. Samantha cuida, educa, conversa, e é a única pessoa em que Cyrill deposita alguma confiança, aquilo que ele tem de mais semelhante a uma mãe e pai no momento. E de fato é. Samantha abdica de coisas importantes para uma mulher madura, decidida e solteira: parceiros e privacidade para cuidar do garoto, e amá-lo incondicionalmente. Mas o não fará de forma pacífica.
AVISO - o texto abaixo pode conter revelações sobre a trama, mas não comprometem sua apreciação e nem revelam seu final. Recomendamos sua leitura somente se procura dicas e críticas sobre o filme.
Nos dois filmes, a tônica apresentada é a do crescimento espiritual e emocional do anti-herói. Em “A Criança” vemos Bruno, um pai que apesar de adulto, ainda tem atitudes banais e infantis e não mede as consequências do ato vil cometido ao vender seu próprio bebe recém nascido. Uma criança num corpo adulto. Neste, vemos o garoto Cyril forçado a confrontar sentimentos como a desilusão, a morte e a falta de esperança em facetas muito mais adultas do que um garoto pode lidar, e é forçado a crescer antes do tempo. Um homem num corpo infantil. Sua única diversão é a bicicleta dada de presente por Samantha.
O garoto que interpreta Cyril é fantástico: sua atuação me deixou extasiado. Nós as vezes subestimamos os atores mirins, e nessa película Thomas Doret expressa raiva, desolação, medo e carinhos genuínos ao contracenar com Cécile de France (Além da Vida, Mesrine). Jérémie Renier (Desejo e Reparação, O Silêncio de Lorna) mais uma vez está excelente no papel do pai, tétrico, inabalável, inescrupuloso, e de alguma forma este personagem se assemelha ao papel que desempenhou em “A Criança”: o de pai desalmado. O primeiro se redime, o segundo se acovarda.
A direção dos Irmãos Dardene (Rosetta, O Silêncio de Lorna) é como sempre ótima, e tudo se passa como uma conversa trivial entre você e um colega, que conta a história de fulano ou beltrano. Flúido e homogêneo, o filme é simples e foi rodado em locações comuns, praticamente o internato e alguns quarteirões do bairro onde Samantha reside. De roteiro conciso, achei o desfecho lindo e simples, bastante altruísta e inusitado. Ficamos pensando se faríamos o mesmo no lugar do garoto. Bem à moda do cinema verdade francês. O filme venceu a categoria “Grand Prix”, que é o prêmio do júri de melhor filme no Festival de Cannes em 2011.
Opinião: ★★★★
O Garoto da Bicicleta
Título original: Le Gamin au Válo – 2011 (Bélgica, França, Itália). Duração: 87 min. Gênero: Drama. Direção e roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne. Com: Thomas Doret, Cécile De France e Jérémie Renier.
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