Daytripper, por Gabriel Bá e Fábio Moon

Por Fernando Miranda

A exuberante arte dos Gêmeos.

Parado aqui em frente de uma página em branco do Microsoft Word, tomando uma Eisenbahn Pilsen, ouvindo ‘Construção’, álbum de Chico de 1971, tenho uma certa dificuldade em quantificar o que senti ao ler ‘Daytripper’ dos irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon. Eu não sei se é porque foram emoções demais, ou os significados e a representatividade que este trabalho teve na minha vida neste ano que passou, mas acho árdua a tarefa de por em palavras o vendaval que a graphic novel provocou nos meus sentidos e mentalidade. Craig Thompson, autor de Retalhos (Cia. Das Letras) pergunta em um texto e desenho feito especialmente para a obra dos irmãos: “A arte aprimora nossa vida, ou é só distração?”. Esta é uma pergunta que merece ser respondida, para aqueles que amam as artes e que tem a alma inquieta, que querem expressar e ver expressadas suas opiniões sobre a vida. Mas não, não é o que farei aqui. Isso cabe a cada um de nós.

Fonte: Ambrosia
Daytripper conta a história de Brás de Oliva Domingos. Escritor de obituários em um jornal de São Paulo, frustrado profissionalmente, vive à sombra de uma referência na literatura, seu pai. No primeiro capítulo, Brás é morto no dia do seu aniversário, mas revive no capítulo seguinte para nos contar sobre momentos únicos que passou. Assim, acompanhamos as experiências de Brás, entre os dias e cada uma de suas mortes, o primeiro beijo e o nascimento de seu filho. Da língua inglesa, a palavra Daytripper significa “um viajante diurno, que pernoita para descansar, e segue em frente assim que o dia amanhece”. A HQ nos leva a uma grande viagem que mostra lugares lindos como o nordeste do Brasil, a face metropolitana e interiorana de São Paulo, o Rio de Janeiro, que fica ainda mais lindo sob a pena dos gêmeos.

O texto é coeso, bem trabalhado, e verídico ao mimetizar a prosa do dia-a-dia. É incrível como colocam na boca dos personagens falas que são tão cotidianas que parecem ser proferidas logo ao lado, numa conversa no ônibus que nos pegamos ouvindo. Mas há muitos momentos de lirismo: quando Brás pergunta à Olinda “e no que você trabalha”, e ela logo revida “Meu emprego não vai lhe dizer quem eu sou. Muito menos o que eu quero”. Enquanto eu lia e ouvia  “amou daquela vez como se fosse a ultima, e cada filho seu...” no verso de ‘Construção’ de Chico Buarque, naveguei pelas vidas possíveis de Brás a cada capítulo. Até acho que o compositor foi de algum modo, influência indireta para os autores.


Brás, de modo geral, se parece fisicamente com Chico Buarque. Influência, irmãos?


Brás, após uma desilusão amorosa, conversa com o pai, Benedito, sobre amor. Ele lhe diz que deve buscar momentos marcantes e que relacionamentos se baseiam nesses momentos, que as pessoas estão sempre em busca de um amor e cita uma conversa com a mãe de Brás: “Lembro-me de quando nos conhecemos. Eu disse que queria ser um grande escritor e que tinha certeza de que havia um grande romance esperando que eu o escrevesse. Ela sorriu e disse que havia um grande romance esperando que eu vivesse”. Num café, Brás pensa: "em épocas assim, buscamos o conforto dos pequenos prazeres. As coisas que agradecemos por terem sido inventadas [...] Forte. Preto. Sem açúcar [...] Há várias coisas que encheriam seu estômago, mas nada para preencher o buraco”. E ao ver uma linda moça no caixa da cafeteria, Brás se apaixona novamente.

Daytripper é uma história sobre laços de família, sobre a busca da verdadeira amizade, sobre amores perdidos, sobre chances, recomeços e partidas. Sobre a importância da arte e do legado da cultura na vida das pessoas. Ao fim de cada história, um obituário que nos faz refletir se realmente estamos vivendo a nossa vida como deveríamos.


Capa da edição nacional publicada pela Editora Panini


Aqui, um trecho de um texto que você encontra na HQ, Daytripper por seus criadores:


Daytripper seria uma história de momentos silenciosos. Sobre o que você pode dizer a partir dos olhos de alguém. Uma troca de olhares. Um sorriso. Com o pé calcado na realidade, o mais difícil não seria criar algo que parecesse real. Não, o difícil foi criar um mundo que você sentisse ser real. Cada referência cada foto, cada cor e cada personagem tudo foi construído de forma a reproduzir sentimentos. A sensação de que você está vivo, alegre, solitário, amedrontado ou apaixonado. Queríamos aquela sensação de que a vida está acontecendo aqui, bem à nossa frente, e a estamos vivendo. E como vivemos. E às vezes morremos para provar que vivemos.
Fabio Moon São Paulo, novembro de 2010



Fernando Miranda

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